segunda-feira, 13 de junho de 2011

Cerco ao pagode

Nelson Rocha - Gosto não se discute, mas se Tom Jobim, Vinícius de Morais ou Dorival Caymmi vivos fossem, e tivessem a oportunidade de ouvir cantores de pagode baiano externando letras que incentivam a violência e desqualificam a mulher, certamente teriam um ataque de nervos.

Eles, que compuseram e interpretaram o carinho e a admiração pela mulher de forma musicalmente poética, não aprovariam este tipo de repertório popular. A deputada estadual Luiza Maia (PT) também não.

Ela é autora do Projeto de Lei nº 19.203/2011, que prevê não pagar com recursos públicos apresentações de grupos de pagode que, com músicas e danças, possam denegrir a figura feminina ou fazer apologia à violência.

“Nós temos que barrar isso”, diz a deputada. “É uma coisa assim muito absurda. Não  tem sentido. É um tipo de música muito ruim. Incentiva a violência, desqualifica a mulher. É um monte de maluquice que não tem cabimento.  Eu acho que um estado que chamou pra si a responsabilidade de acabar, ou diminuir, pelo menos, a desigualdade entre homens e mulheres não pode estar pagando.

Quando você paga com dinheiro público, está incentivando, reforçando aquilo. Em Camaçari mesmo  o prefeito Luiz Caetano já disse para o coordenador de eventos: “Não pago nenhuma banda que venha para cá com essas músicas de baixaria,  nem com música que desqualifique a mulher”, declarou à Tribuna.

A ideia da deputada Luiza Maia tem o apoio da bancada feminina na Assembleia. Agora ela busca a assinatura dos colegas homens para aprovar o projeto. Entretanto, a parlamentar trabalha para provocar a propagação de forma intensa da prevista Lei na capital e no interior. “A mulher precisa ser respeitada e o estado não pode aceitar uma coisa dessas”, diz referindo-se à apresentação ao vivo, com apoio oficial, de bandas responsáveis por repertórios de qualidade duvidosa.

“Este projeto vem no sentido de a gente abrir uma campanha pra educar, inclusive, alguns dos nossos artistas. A mulher é um ser humano que precisa ser respeitado e não dá pra o governo pagar, com o dinheiro público, a quem faça um tipo de apologia à violência, à desqualificação e constrangimento da mulher”, afirmou. “Não vejo nenhum problema de aprovação na Câmara”, assegurou.

Cantor pede direitos iguais entre gêneros

 

A banda de pagode “Black Style”, criada em 2006 por amigos do bairro da Fazenda Grande, em Salvador, é conhecida por executar temas de títulos como “Vaza canhão”, “Tabaco”, “Empurrando” e “Rala a tcheca no chão”, com letras que causam indignação à parlamentar, com quem o grupo não concorda. “Eu acho que existe no mercado todo tipo de música. É o gosto popular. Não deve existir esta discriminação.

Ela deve ter o gosto pessoal dela. Nossas músicas não são apelativas, a nível de xingar ou desmoralizar as pessoas. Fazemos músicas para agradar a todos, inclusive quem tem mais poder aquisitivo”, comentou o empresário Cristiano Magalhães, 44, responsável pela banda que faz em média oito shows mensais, cobrando R$ 25 mil por apresentação. “Não estou preocupado com este projeto, porque é um absurdo. Qual o poder, a capacidade que ela tem pra isso?”, questiona.
          
O cantor Luciano Santanna, que faz parte da nova formação da banda de pagode Guig Guetho, diz que só concorda com a deputada se a lei for para todos os gêneros musicais. “ Letras de baixo calão e duplo sentido estão também no forró, arrocha,  axé e  rock. Se for punir, punir a todos.

A gente faz um trabalho de coreografias sensuais e não com  conotações pornográficas ou de incentivo à violência. A Guig não faz este tipo de apologia. Se for julgar, todos têm que ser julgados. O pagode já é naturalmente discriminado”, comentou o artista.

O produtor do mesmo grupo, Remilton Santos Souza, diz que “a banda, desde fundada,  preza pela qualidade musical. Nós nunca nos interessamos em fazer esse tipo de trabalho, mas também não somos contra quem faz. Se faz é porque tem público pra isso e fica a critério de cada um”, ressaltou.

Já a produtora Carla Costa, responsável pela banda “Beat Beleza”, cuja formação tem ex-integrantes do grupo Psirico, admite que algumas bandas realmente denigrem a imagem da mulher no repertório e nas coreografias: “Com certeza. Não vou citar nomes porque é falta de ética.

 Os que preferem apelar deveriam usar a música da Bahia com mais respeito. Infelizmente, a maioria do público gosta da baixaria, da apelação. Esse tipo de música não só afeta a mulher, como também as crianças que já nascem e crescem no meio dessa mistura louca”, considerou.

questão corporal  – Na opinião do sociólogo Janilson Alves, as bandas de pagode “exploram muito a questão corporal através do ritmo e deixam as letras em plano secundário. Isto gera a objetificação e rebaixamento da mulher”, observa.

Por se tratar de uma lei que já tramita na Assembleia Legislativa, ele sugere que, de qualquer forma, “haja uma ampla discussão, envolvendo os segmentos musicais, o movimento feminista e a sociedade de modo geral. Tem que qualificar o debate”, sugere. A Tribuna da Bahia sai na frente e lança este debate.

Tribuna da Bahia

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